domingo, 14 de agosto de 2016

Adelzonilton cantou pra subir

O sambista Adelzonilton Barbosa da Silva, morto na última terça (9),
após um ataque cardíaco
Morreu na semana passada, aos 73 anos, o compositor Adelzonilton Barbosa da Silva. Alagoano, foi autor de sambas que ajudaram a moldar o mito do malandro carioca. Sua música mais famosa é "Malandragem Dá Um Tempo", gravada por Bezerra da Silva. A letra critica a figura do "dedo de seta", sinônimo nos morros para delator.
Num momento em que a categoria anda em alta no noticiário político, os sambas de Adelzonilton soam mais atuais do que nunca. Na composição mais conhecida, ele alerta: "Tem dedo de seta adoidado/ Todos eles a fim de entregar os irmãos".
Em "Defunto caguete", o compositor condena um dedo-duro que nem morto deixa de entregar os comparsas. "Caguete é mesmo um tremendo canalha/ Nem morto não dá sossego/ Chegou no inferno, entregou o diabo/ E lá no céu caguetou São Pedro".

A letra parece sob medida para o caso do ex-senador que pediu propina para abafar uma CPI. Ele morreu antes da Lava Jato, mas a gravação da conversa deve ajudar a incriminar políticos muito vivos que ainda circulam pelo Congresso.
Outro samba, "Grampeado com Muita Moral", lembra o discurso dos réus diante do juiz Moro: "Mesmo sabendo que estou errado/ Sou sujeito homem/ A verdade eu falei/ Só peço que me compreenda/ Nesse confronto com os homens da lei".
Adelzonilton desembarcou no Rio aos 4 anos, a bordo de um pau-de-arara. Aos 9, para ajudar a mãe, começou a vender doces nos trens da Central. Lá conheceu alguns personagens de suas letras, que tratavam da pequena corrupção em favelas e delegacias cariocas. A criminalidade que ele retratou parece idílica diante dos desvios bilionários do petrolão.
Enquanto os delatores da Lava Jato trocavam o xadrez por mansões a beira-mar, o sambista continuou a viver modestamente em Mesquita, na Baixada Fluminense. Na última terça (9), sofreu um ataque cardíaco e morreu –ou cantou pra subir, como diriam os velhos malandros.
Bernardo Mello Franco - Folha de S.Paulo

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