quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Jair Bolsonaro sabia da compra de vacinas, mas recuou após pressão nas redes sociais

© Getty Images

Desde o anúncio feito pelo ministro Eduardo Pazuello, em reunião virtual com governadores, eleitores bolsonaristas iniciaram campanha nas redes contra o que chamam de "vacina chinesa".

As críticas chegaram ao perfil oficial do presidente, que decidiu adotar um recuo estratégico. Na própria terça-feira (20), segundo relato feito à Folha, ele telefonou a Pazuello para informar que se posicionaria contra o anúncio.

Na manhã desta quarta-feira (21), antes de o presidente se manifestar nas redes sociais, Pazuello chegou a entrar em contato com representante do governo paulista. Segundo um auxiliar da gestão estadual, ele informou que a compra de doses seria menor do que a anunciada no dia anterior.

A tentativa do ministro de diminuir a tensão, no entanto, não deu certo. Após as críticas do presidente, Bolsonaro e Pazuello se falaram por telefone para ajustar a mudança de discurso e combinar a divulgação de uma nota pública, na qual alegaram que houve "interpretação equivocada".

Como lembraram auxiliares palacianos, Pazuello costuma informar todas as iniciativas de sua pasta a Bolsonaro e não faz nada sem o conhecimento do chefe do Executivo, o que não foi diferente neste episódio.

Em conversas reservadas na manhã desta quarta, o presidente elogiou a rápida reação de Pazuello e disse que ele não é como o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, que resistia a obedecer e a seguir as suas orientações.

Segundo aliados do general, apesar de ter recebido diagnóstico de que está com Covid-19, ele demonstrava tranquilidade nesta manhã, sem receio de retaliação do presidente.

Além da reação negativa nas redes sociais, o recuo do presidente, segundo assessores, deveu-se à comemoração do governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Após o anúncio de Pazuello na terça-feira, Doria disse que "venceu o Brasil".

O tucano é pré-candidato à sucessão presidencial em 2022, quando Bolsonaro pretende disputar a reeleição. Em mensagem a ministros, relatada à Folha, o presidente ordenou que, a partir de agora, sua equipe não trate sobre iniciativas de imunização com o governador paulista.

Pessoas próximas a Pazuello dizem que uma declaração de Bolsonaro contra a vacina CoronaVac direcionada ao seu eleitorado fiel já era, em parte, esperada, dado o tom adotado pelo presidente nos últimos dias.

A atitude agressiva, no entanto, pegou de surpresa parte do grupo. Nas redes sociais, Bolsonaro chegou a falar em traição. Fez ainda um comunicado na internet sobre o que chamou de "vacina chinesa de João Doria": "Não se justifica um bilionário aporte financeiro num medicamento que sequer ultrapassou sua fase de testagem", escreveu. "Diante do exposto, minha decisão é a de não adquirir a referida vacina."

A afirmação de não investir em uma vacina que não ultrapassou a fase de testagem, porém, contrasta com a decisão do próprio governo, que anunciou em agosto um acordo para compra de 100 milhões de doses da vacina em desenvolvimento pela Universidade de Oxford em parceria com a AstraZeneca. O valor investido também foi de R$ 1,9 bilhão.

À Folha, secretários de saúde que acompanharam o encontro de terça ressaltaram que a crítica feita por Bolsonaro não faz sentido, uma vez que a maior parte dos insumos para todas as vacinas já provêm da China, o que teria sido, inclusive, citado na reunião entre o ministro e os governadores.

Como mostrou a Folha, Pazuello enviou no dia 19 de outubro ao diretor-geral do Instituto Butantan, Dimas Covas, um ofício em que confirmava a intenção de compra das doses. No ofício, o ministro informava ela requeria aprovação pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

No encontro virtual com governadores, o ministro disse que a CoronaVac seria "a vacina brasileira" e que o seu ofício "é o compromisso da aquisição dessas vacinas".

A declaração do presidente Jair Bolsonaro de que o governo não deve comprar a Coronavac gerou reação de secretários estaduais de saúde.

Em nota divulgada nesta quarta (21), o Conass, que reúne os gestores, voltou a defender que todas as vacinas que tiverem estudos concluídos e forem aprovadas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) sejam incluídas no Programa Nacional de Imunizações, "independentemente da sua origem ou nacionalidade".

Em uma indireta às falas do presidente, a nota diz ainda que "nenhuma convicção pessoal pode se sobrepor à ciência".
"O método científico pressupõe controle, sistematização, revisão e segurança sobre o seu campo de investigação, de modo que seu resultado não pode simplesmente ser desconsiderado por contendas outras." Folhapress

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