sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Show de DJ mobilizou Petrolândia pelo tombamento de igreja submersa

Créditos: Tony Xavier e Blog de Assis Ramalho

Não foi apenas a campanha eleitoral entre três candidatos competitivos e a prevenção da covid-19 que mobilizaram a cidade de Petrolândia, no Vale do São Francisco, durante os últimos meses. O som em alto volume e a estrutura montada pelo DJ Bhaskar Petrillo para gravar um clip na igreja semi-submersa do lago artificial de Itaparica, deram início a uma campanha pelo tombamento das ruínas do templo e a um acalorado debate sobre a realização de shows e festas no local.

Nesta quinta-feira, 19 de novembro, o pedido de tombamento das ruínas da igreja do Sagrado Coração de Jesus foi entregue à Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), acompanhado de uma petição com 1.800 assinaturas de moradores da cidade, cuja população é de 37 mil habitantes.

O assunto tomou conta da cidade no final de setembro, quando o DJ Bhaskar, irmão gêmeo menos famoso do DJ Alok, levou equipamentos de som, canhões de luz e fogos de artifício para fazer um show na igreja, no meio do reservatório de Itaparica, bem em frente à cidade. O megaevento foi apoiado pela secretaria estadual de Turismo e pela prefeita Jadielma Rodrigues Souza, mas parte da população reagiu.

Assista ao vídeo com o show aqui

A pedagoga Paula Rubens, diretora do Instituto Geográfico e Histórico da cidade, foi uma das primeiras vozes a criticar a realização da festa. Ela foi uma das autoras do abaixo-assinado em favor do tombamento. “Não se sabe os impactos que tudo aquilo pode causar à estrutura da igreja se não forem tomadas as precauções para proteger nosso patrimônio histórico. Não há lógica em divulgar um ponto turístico e vê-lo desabar pouco tempo depois”, argumenta Paula. Ela lembra que a estrutura está submersa há 32 anos e não há qualquer estudo sobre em que condições estão seus alicerces.

Com três fortes candidaturas disputando a prefeitura, a realização do show logo virou tema da disputa eleitoral ao longo de toda a campanha, mas a adesão à ideia do tombamento foi praticamente unânime. A Câmara Municipal deve decidir nos próximos dias que a igreja é patrimônio histórico do município.

Getúlio Vargas

De acordo com Paula Rubens, que redigiu o requerimento à Fundarpe, “além da importância simbólica para a memória uma população cuja cidade desapareceu debaixo d’água, a igreja tem significado histórico por estar relacionada a dois períodos relevantes da história do Brasil”.

O primeiro desses momentos históricos é o Estado Novo. A igreja começou a ser construída no início dos anos 1940 para atender ao espírito religiosos dos agricultores assentados no núcleo de colonização implantado pelo governo de Getúlio Vargas na área rural de Petrolândia.

Nesse núcleo, 100 famílias de agricultores recebiam lotes de quatro hectares de terra e tinham até 13 anos para pagá-los. Pequenas fábricas de laticínios, de doce, de linguiças e beneficiadoras de milho subsidiadas pelo Governo Federal compravam a produção dos agricultores. Parte dessa estrutura foi financiada pelos Estados Unidos, que precisavam aumentar a produção de alimentos para abastecer suas tropas na II Guerra Mundial.

Segundo a narrativa de Paula, quando a guerra acabou em 1945 e Vargas caiu, a obra da igreja ainda não tinha sido concluída. E assim permaneceu. Para terminar o salão da igreja, os próprios agricultores juntavam dinheiro para comprar material e faziam o serviço. A cúpula porém, manteve-se inacabada, sem recursos federais para terminá-la.

Resistência

Nos anos 1970, quando a ditadura militar acelerou os planos da usina de Itaparica, a igreja se tornou palco de novenas puxadas por uma freira conhecida como irmã Josefina. Após, as orações a religiosa coordenava reuniões com os agricultores para discutir o que eles poderiam fazer para negociar melhor com a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) e evitar o mesmo destino das 12 mil famílias desabrigadas para dar lugar ao lago artificial da usina de Sobradinho,

Na época, os resultados desastrosos do reassentamento dos atingidos por Sobradinho já eram bem conhecidos: os moradores daquela região receberam valores baixos para deixar suas casas e, àquela altura, já viviam na miséria.

Irmã Josefina e o presidente do sindicato dos trabalhadores rurais foram sequestrados pelos policiais e só foram liberados com a intervenção do arcebispo de Olinda e Recife, Dom Helder Camara, na época à frente da CNBB-Nordeste. “Por isso, a igreja também é símbolo da resistência de nosso povo”. Os agricultores remanescentes do núcleo de colonização dos anos 1940 e os demais moradores de Petrolândia deixaram suas casas em 1988, em condições mais vantajosas que os da região de Sobradinho.

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Jornalista e escritor. Foi repórter do extinto Diário Popular (SP) e da sucursal paulista de O Globo. No Diário de Pernambuco recebeu, entre outros, os prêmios Cristina Tavares de Jornalismo e Vladimir Herzog de Jornalismo e Direitos Humanos. Assinou reportagens como free-lancer nas revistas Época, Carta Capital, Globo Rural e no jornal Lance. Longe das redações, foi secretário de Comunicação de Olinda, além de oficial-assistente e consultor do Unicef. Recebeu também o título de jornalista Amigo da Criança (Unicef/Fundação Abrinq). Publicou seis livros (crônicas de futebol, registros de memória e história oral e a novela 'Terezas')

 

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